Estamos diante de uma personagem citada unicamente em algumas passagens do nosso Quarto Evangelho. É realmente o Evangelho de João que cita esta figura misteriosa, provinda da classe farisaica, de status muito alto, – pois o título "príncipe" dos judeus, com certeza, queria acenar para a sua opulência de vida. Além do capítulo terceiro de João, o nome Nicodemos aparece em Jo 7, 50 e Jo 19, 39.
A palavra Nicodemos (Νικόδημος) vem de dois termos gregos: Nike (νικη) – Vitória; e Demos (δημος) – Povo. Ou seja, Nicodemos quer dizer, em seu próprio nome, o povo que vence. Mencionamos a etimologia dessa palavra por causa da importância que o judeu dava para o nome. E o escritor do Evangelho de João, ao escrever esta passagem, certamente fazia uma comparação entre um fariseu rico e o povo que reconhece a importância de Jesus. Nem todos os judeus rejeitaram o projeto de Jesus, pois vemos que até mesmo um fariseu legalista quer aprender com o Mestre de Nazaré.
João é meticuloso nos detalhes deste encontro, pois nos dá uma informação sem a qual não entenderíamos a importância do diálogo. Nicodemos vem procurar Jesus à noite, isso porque, como já se disse, era um dos poucos fariseus que punham fé nas palavras de Jesus. A conversa de Nicodemos com o Mestre é meio "esquisita" (uso essa palavra para tentar descrever o que se sente na leitura desse trecho). Esquisita porque Jesus dá uma resposta inesperada ao seu interlocutor: Se alguém não nascer do alto, não poderá ver o Reino de Deus! E ainda completa: Se alguém não nascer da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus! Essas respostas demonstram a grande preocupação do escritor do Evangelho de João a respeito do Batismo de todos os judeus, pois era esse o objetivo dos primeiros seguidores de Cristo – batizar a todos os homens de boa vontade, a começar pelos judeus.
Nascer do alto é optar por um caminho diferente daquele apresentado pelas facilidades mundanas, – é assumir o difícil projeto inovador de Jesus. Não basta que se rezem milhares de orações, ou que se saibam todos os rolos da Bíblia de cor, mas é urgente que se nasça para os novos desafios humanos: a solidariedade, o amor, o perdão etc.
Nicodemos não entende esse assunto de nascer de novo: Como pode alguém nascer, se já é velho? Ele poderá entrar uma segunda vez no ventre de sua mãe para nascer? Notamos que essa pergunta de Nicodemos é um tanto quanto ingênua, vinda de um grande letrado da época. Mas é realmente esta realidade: o apelo de Jesus sempre nos deixa sem palavras e assustados.
Por isso, é importante que nasçamos no Espírito, para melhor fazermos a nossa caminhada terrena. Se optarmos por nossa busca do espiritual, saberemos que as nossas ações serão mais límpidas e constantes. Isso não significa que devamos desprezar os nossos corpos, o nosso ser como um todo. Quem vive no Espírito sabe aproveitar melhor todas as realidades da vida, dom de Deus. Mas seremos como o vento, porque sopraremos para onde quisermos, e ninguém saberá de onde viemos e para onde iremos, ou seja, daremos o melhor de nós mesmos para a construção de um mundo melhor, mas não será nosso mérito, pois, terminada a nossa missão, deixaremos todas as honras ao Pai-Misericordioso!
A figura de Nicodemos, exclusivamente do Evangelho de João, é um convite para que nós, Igreja Povo-de-Deus, reunamos as nossas forças e lutemos por melhorias nas condições de vida ao nosso redor. É como dizia o cardeal Albino Luciani, antes de ser o Papa João Paulo I, "Se um camelo anda pisando nos grãozinhos de areia, ele dirá: 'Eu esmago todas vocês, pois sou mais forte!' E todos os grãozinhos de areia vão ser oprimidos e pisados. Mas se os grãozinhos de areia se juntarem, e fazerem uma tempestade de areia, encobrirão aquele gigante opressor, extinguindo-o para sempre! E será a Vitória do Povo (Nicodemos)". É isso que devemos fazer em nossas comunidades: ter a coragem de Nicodemos e aceitar a proposta de Cristo de nascer do alto e do Espírito, para lutar contra os camelos opressores de nossas realidades!
E, ENTÃO, SERÁ A VITÓRIA DO POVO!
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