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A primeira vista teríamos que dizer que o reino de Deus, aquele do qual tanto falou Jesus, não é deste mundo. O mesmo Jesus disse-o ao ver as reações que provocava com suas palavras e com suas ações. Nosso mundo, desde sempre, desde que se tem memória da história dos povos e nações, foi construído sobre a base da marcação de fronteiras. Os povos sublinharam as diferenças: a língua, as tradições, a cultura, o clima, a paisagem, a cor da pele, a estatura ou a forma do nariz. Todas essas características marcaram o “nosso”, que é diferente dos “outros”.
Fizemo-nos como os animais que vão marcando seu território mediante “marcas de cheiro”. Sucede que nós somos mais cultos e pusemos escritórios nas fronteiras (aduanas) e soldados que protejam o território que consideramos como nosso frente aos outros, aos que demasiadas vezes vimos e vemos como uma ameaça. É uma ameaça aos nossos costumes, a nossa forma de vida, ao nosso bem-estar. Das ameaças devemos nos proteger. E já se sabe que a melhor defesa é um bom ataque. Não é de estranhar que em nossa história passada e presente esta marcada com sangue e de morte.
Jesus rompe as fronteiras
O Reino de Jesus é outra coisa. Não conhece as fronteiras. Vai para além das fronteiras que marcamos e parte do princípio de que todos nos somos um povo: o povo de Deus. Ninguém fica fora desse povo.
O texto do Evangelho é tremendamente iluminador. Dá a impressão de que até o mesmo Jesus pensou em algum momento que sua missão salvadora se dirigia somente ao povo de Israel. Aos discípulos que lhe pedem que atenda à mulher cananéia, lhes responde que ele só foi enviado “às ovelhas desgarradas de Israel”. Observemos que nem sequer dirige a palavra à mulher. Mas ela insiste e insiste. Provoca o diálogo. Jesus vê-se obrigado a responder e então sente como tantas outras vezes dizem nos Evangelhos, compaixão - que não é outra, claro, senão a mesma compaixão de Deus -. E atua com o poder salvífico de Deus.
Não podia ser de outra maneira. Jesus reconhece nela a fé que salva, reconhece nela uma filha de Deus, outra mais. Ainda que seja cananéia. Ainda que não pertença ao povo eleito. Sua missão é universal. Ninguém está excluído. Todos estão convidados a fazer parte do banquete do Reino, a se sentar à mesa em torno do Pai comum.
Uma Igreja que acolhe e salva
Hoje a Igreja é universal. Gentes de todos os povos, de todas as línguas, fazem parte desta comunidade. Mas às vezes nos custa aceitar ao que é diferente, ao que fala outra língua, ao que tem outra cor ou outros costumes. Custa-nos os ver como um mais de nós.
O Reino tem que ser um acicate para todos nós. Tem que nos recordar que o Evangelho se manifesta na acolhida, na capacidade para formar comunidades, para que ninguém se sinta excluído. Teríamos que orar muitas vezes com as palavras dos salmos para que entre dentro de nossa cabeça e coração que todos os povos somos só um povo, o povo de Deus. Que não há mais que irmãos e irmãs.
Enquanto, recordemos a recomendação do profeta Isaías: “Guardai o direito e praticai a justiça”, que isso mesmo significa que a salvação já está aqui.
Pe Fernando Torrres
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