Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus
Neste dia, a liturgia coloca-nos diante de evocações diversas, ainda que todas importantes.
Celebra-se, em primeiro lugar, a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus: somos convidados a contemplar a figura de Maria, aquela mulher que, com o seu “sim” ao projeto de Deus, nos ofereceu Jesus, o nosso libertador.
Celebra-se também o primeiro dia do ano civil: é o início de uma caminhada percorrida de mãos dadas com esse Deus que nos ama, que em cada dia nos cumula da sua bênção e nos oferece a vida em plenitude.
As leituras que hoje nos são propostas exploram, portanto, estas diversas coordenadas. Elas evocam esta multiplicidade de temas e de celebrações.
Na primeira leitura, sublinha-se a dimensão da presença contínua de Deus na nossa caminhada e recorda-se que a sua bênção nos proporciona a vida em plenitude.
Na segunda leitura, a liturgia evoca, outra vez, o amor de Deus, que enviou o seu Filho ao encontro dos homens para os libertar da escravidão da Lei e para os tornar seus “filhos”. É nessa situação privilegiada de “filhos” livres e amados que podemos dirigir-nos a Deus e chamar-lhe “abbá” (“papá”).
O Evangelho mostra como a chegada do projeto libertador de Deus (que se tornou realidade plena no nosso mundo através de Jesus) provoca alegria e felicidade naqueles que não têm outra possibilidade de acesso à salvação: os pobres e os marginalizados. Convida-nos também a louvar a Deus pelo seu amor e a testemunhar o desígnio libertador de Deus no meio dos homens.
Maria, a mulher que proporcionou o nosso encontro com Jesus, é o modelo do crente que é sensível aos projetos de Deus, que sabe ler os seus sinais na história, que aceita acolher a proposta de Deus no coração e que colabora com Deus na concretização do projeto divino de salvação para o mundo.
Primeira Leitura - Livro dos Números (Nm 6,22-27)
22O Senhor falou a Moisés, dizendo: 23“Fala a Aarão e a seus filhos: Ao abençoar os filhos de Israel, dizei-lhes: 24‘O Senhor te abençoe e te guarde! 25O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti! 26O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!’
27Assim invocarão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei”.
Palavra do Senhor
Salmo Responsorial - Salmo 66
Que Deus nos dê a sua graça e sua bênção!
Que Deus nos dê a sua graça e sua bênção,
e sua face resplandeça sobre nós!
Que na terra se conheça o seu caminho
e a sua salvação por entre os povos.
Que Deus nos dê a sua graça e sua bênção!
Exulte de alegria a terra inteira,
pois julgais o universo com justiça;
os povos governais com retidão,
e guiais, em toda a terra, as nações.
Que Deus nos dê a sua graça e sua bênção!
Que as nações vos glorifiquem, ó Senhor,
que todas as nações vos glorifiquem!
Que o Senhor e nosso Deus nos abençoe,
e o respeitem os confins de toda a terra!
Que Deus nos dê a sua graça e sua bênção!
Segunda Leitura - Carta de São Paulo apóstolo aos Gálatas (Gl 4,4-7)
Irmãos: 4Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei, 5a fim de resgatar os que eram sujeitos à Lei e para que todos recebêssemos a filiação adotiva. 6E porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abá-ó Pai!
7Assim, já não és escravo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro: tudo isso por graça de Deus.
Palavra do Senhor
Proclamação do Evangelho, segundo Lucas (Lc 2,16-21)
Naquele tempo, 16os pastores foram às pressas a Belém e encontraram Maria e José, e o recém-nascido deitado na manjedoura.
17Tendo-o visto, contaram o que lhes fora dito sobre o menino. 18E todos os que ouviram os pastores ficaram maravilhados com aquilo que contavam.
19Quanto a Maria, guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração.
20Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo que tinham visto e ouvido, conforme lhes tinha sido dito. 21Quando se completaram os oito dias para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus, como fora chamado pelo anjo antes de ser concebido.
Palavra da Salvação.
Comentário - Um Ano Novo com Novo Coração
Feliz Ano Novo!
Quantas vezes o dissemos, e quantas nos faltam ainda dizer? Na Noite velha (última noite de 2010) levantamos copos para brindar, desejar e pedir que o ano de 2011seja um ano feliz; melhor do que 2010.
Ao olhar para o ano que se foi caímos na conta de que se prolongou a lista de guerras, represálias, vinganças, catástrofes, corrupções e fraudes, doenças, que temos causado danos ambientais a este planeta; e que cada qual tem sua própria coleção de sofrimentos e escuridões, fracassos, desenganos, projetos não realizados, coisas que quisemos mudar e seguiram teimosamente como sempre.
Pessimistas? Cansados? Derrotados? Ou mais esperançosos?
Algo bom teremos passado também. Em algo teremos crescido, alguma meta teremos atingido, alguma boa notícia nos alegou o coração, alguma amizade nova terá começado, alguma surpresa agradável teremos vivido... Se só nos fixamos nas más notícias... os sucessos, as bênçãos e as alegrias parecem pequenos e frágeis.
Oxalá tenhamos sido capazes de reconhecê-los e agradecê-los.
Desde sua pequenez, Maria soube alegrar-se, agradecer e louvar a Deus por todas as obras que Deus estava a fazer nela, por ela, com ela.
Esses bons e sinceros desejos que nos brotam ao ter diante a primeira folha do calendário, são somente sonhos, fantasias, frases feitas? Realmente neste novo ano vamos ser mais felizes, nós e os que caminham a nosso lado?
Talvez nossa saúde dê-nos algum sobressalto, ou talvez a de algum ente querido, que talvez seja pior. A fragilidade humana faz-nos temer algum desgosto ou decepção dos que mais nos querem. É quase seguro que eu mesmo falhe a alguém e não saiba estar à altura das circunstâncias, que sigam ativos alguns confrontos e conflitos pessoais, que repetir-se-ão as mesmas manias em minha forma de ser, que não poucos os problemas pendentes do ano que se foi ter-se-ão distribuído já pelos dias ainda sem estrear o novo ano.
Então, tem sentido esses brindes, esperanças, e bons desejos e propósitos?
Este ano mal estreado não será mais feliz porque os acontecimentos nos parecem favoráveis, mais porque olhamos e sentimos as coisas desde o coração de uma maneira nova e favorável. A felicidade não está fora, no que passa ou no que passamos... mais dentro, em mim mesmo. Não está na saúde, na sorte, no sucesso ou na riqueza, mais no modo em que nos situamos ante elas, no que fazemos com cada coisa que nos vem. A felicidade, a paz do coração, a ilusão, o equilíbrio, o estar bem não dependem fundamentalmente dos outros, do outro mais de mim mesmo, do que eu faço com tudo isso, de como tomo as coisas e as situações.
Nos diz o Evangelho: “Maria conservava tudo isto, e meditava sobre eles em seu coração”.
Recordava (passava pelo coração) e meditava tudo o que ia ocorrendo ante seus olhos, tratando de aprender, de compreender, de se deixar afetar pelo que ocorria aos demais. Era uma mulher de profundidade, de coração.
O coração não é um álbum de fotos, para repassar de quando em quando com nostalgia, ou talvez com raiva, mais um lugar para discernir, para separar e clarificar o que é manancial de vida e o que nos enche de morte, o mau e o bem; é o lugar para procurar e aprofundar o significado de todas as coisas: nem tudo vale, nem vale o mesmo para a vida do homem e a glória de Deus.
É o lugar para perguntamos o que fazer com o que nos dói, o que nos desconcerta, o que não responde ao que esperávamos, que decisões tomar para conservar a serenidade, a fidelidade aos nossos valores e compromissos, para mudar o que depende de nós, para não nos deixar apresar pelos acontecimentos, para afirmar o que é importante e irrenunciável, para não perder o rumo.
No coração tem posta sua residência o mesmo Deus que é amor; somos seu templo. Deixou escrito Santos Agostinho: Deus está comigo no mais profundo de meu próprio coração.
O rosto de Deus reconhece-se agora no ser humano, nascido de Mulher, para estar mais a nosso alcance, para que o compreendamos melhor, para que o sintamos próximo, e para que nos façamos próximos uns dos outros; esconde-se no mais profundo do homem para que ali o descubramos. Em mim mesmo, e “no outro”.
Deus não tem mais que nos olhar o coração para saber como estamos, se deixa olhar e descobrir com os olhos do coração, ainda que às vezes os sinais de sua presença sejam tão enormemente singelos e quotidianos: como um menino pobre, envolvido em fraldas, e com os braços de seus pais como único berço e abrigo.
Quando o olhamos desde o silêncio do coração, como nos ensinou sua Mãe, sentimos que nos deixa uma presença discreta que nos transforma e alegra, que nos anima, fortalece e pacifica.
Por isso quero vos convidar hoje para que este seja um “ano do coração”.
Como será diferente se começamos a nos comunicar “com o coração na mão”! |
Se pomos todo o coração nas pequenas e grandes coisas que fazemos! |
Se deixamos que os gestos daqueles que nos querem “chegue” ao nosso coração! |
Se abrimos o coração a quem precisam entrar nele! |
Se nos encontramos sozinhos conosco mesmos no fundo do coração! |
Se guardamos as coisas no coração, e as meditamos na companhia de Deus! |
Se deixamos que a miséria e a dor dos outros ressoe e encontre resposta em nosso interior! |
É nisto que está o segredo da felicidade, da paz, do amor que enche e faz feliz!
Por isso mais que num “feliz ano” vos quero desejar um coração como o de Maria, a Mulher forte, a Mãe de Deus, para viver a cada momento, um coração em que caiba e esteja a gosto Deus, porque “se Deus está conosco, quem poderá conosco?”. Quando o coração humano se limpa de lixos, matos e pedregulhos sempre acaba aparecendo o Rosto de Deus sorrindo, iluminando, protegendo,criando comunhão, fazendo que frutifique a paz, a justiça, a retidão, a alegria...
Quando o coração humano está atento e “guarda as coisas nele”, se faz dócil aos gestos de Deus: tenho aqui a escrava do Senhor. E essa docilidade converta-se em fecundidade, e bênção: bendito o fruto de teu ventre.
Quando o coração humano se deixa iluminar pelo Espírito, descobrimos que não estamos sozinhos e podemos dizer: Abbá!, Mãe! Irmãos!
Pe. Enrique Martínez, cmf
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