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12 de fev. de 2011

-Um pobre, chamado Lázaro - Padre José Cristo Rey

24 de Março


Evangelho - Lc 16,19-31


Tu recebeste teus bens durante a vida e Lázaro os males;
agora ele encontra aqui consolo e tu és atormentado.

 

 

O tempo santo da quaresma é tempo de conversão. Quando falamos de conversão, precisamos pensar antes de tudo nas suas motivações, pois delas depende a sua perseverança. O Evangelho de hoje nos mostra um dos principais elementos que devemos levar em consideração no que diz respeito à motivação para a conversão que é a questão dos valores. Para o homem rico, os valores fundamentais eram a quantidade de bens materiais e os prazeres do mundo. De nada lhe adiantaram Moisés e os Profetas porque, como não havia comunhão de valores, estes se tornaram discursos vazios e a religião foi reduzida a ritualismos. Nesta quaresma, precisamos assumir como próprios de todos nós os valores do Evangelho para que de fato nos convertamos. (CNBB)

 

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O POBRE LÁZARO, E O RICO.

A liturgia de hoje propõe-nos, de novo, a reflexão sobre a nossa relação com os bens deste mundo… Convida-nos a vê-los, não como algo que nos pertence de forma exclusiva, mas como dons que Deus colocou em nossas mãos, para que os administremos e partilhemos, com gratuidade e amor.

O Evangelho apresenta-nos, através da parábola do rico e do pobre Lázaro, uma catequese sobre a posse dos bens… Na perspectiva de Lucas, a riqueza é sempre um pecado, pois supõe a apropriação, em benefício próprio, de dons de Deus que se destinam a todos os homens… Por isso, o rico é condenado e Lázaro recompensado.


 Evangelho de Jesus Cristo, segundo Lucas (Lc 16,19-31)

Comentário - A miséria da prosperidade

Subindo para Jerusalém, quando seu caminho estava para se concluir, Jesus ensinou uma vez mais a suas discípulas e discípulos sobre um perigosíssimo ídolo: o deus da riqueza, que conta com muitos amigos. Diz-nos o evangelista Lucas que Jesus dirigiu uma parábola (a do rico epulón - homem que come e bebe muito -, o pobre Lázaro e o patriarca Abraão) a uns fariseos que o estavam escutando, "que eram amigos do dinheiro, e se burlavam dele"

Quando o dinheiro se converte em ídolo

Os amigos/as do dinheiro e quem herdam culto, estão muito bem descritos na figura do rico epulón:

Têm de tudo;

Encontram-se numa posição social alta;

Se vestem com luxo (púrpura e linho),

Organizam banquetes sem cessar;

Fazem ostentação do que têm.

No entanto, não têm identidade, nem nome. Suas riquezas vão convertê-los dentro de muito pouco nos mais pobres dos pobres, nos mais necessitados dos necessitados. Ver-se-ão absolutamente vazios, somente serão recordados pelo seu egoísmo!

Enquanto põem seu dinheiro ao serviço de si mesmo, "não se doem do desastre", da situação de milhões de seres humanos (Amós).

O pobre da parábola tem nome! Tem identidade! Chama-se Eleazar, Lázaro, isto é, "Deus ajuda, socorre". O rico não lhe olha a cara, ainda que esteja doente e necessitado. Os cães se aproximam dele. É a única vida que bate junto a uma vida humana tão desgastada…  Jaz, débil, à porta do rico. Quer saciar-se das migalhas, que caem da mesa do rico. Porém, ainda que não tenha bens, tem uma reserva impressionante dentro do coração: num dia próximo será levado ao Paraíso.

A miséria da prosperidade

Uma boa re-tradução desta parábola encontrei num livro, publicado faz poucos anos por Pascal Bruckner e o qual tem o titulo: "Miséria da prosperidade". Nele o autor nos faz ver como o ser humano que põe toda sua vida ao serviço da economia, do dinheiro, põem em perigo os valores que lhe dão identidade: saúde, cultura, educação, enriquecimento moral, espiritualidade. Quando a economia se converte em religião, no único poder que controla todo o resto começa a tremer! Esta religião tem seus templos, seus sacerdotes, seus missionários. Mas produz e reproduz uma grande miséria moral. O coração encolhe-se, torna-se pedra, a inteligência perde sua capacidade da verdade, a fantasia torna-se obsessiva e renúncia a sua criatividade.

O dinheiro, a economia - convertidos em religião - são ao mesmo tempo ídolos indecentes - diz Bruckner - porque os ricos precisam cada vez menos dos pobres para enriquecer-se. Então ficam os pobres Lázaros que nem recebem as migalhas, que não parecem rentáveis nem como trabalhadores. Por isso, se reduzem os empregos; deixam os Lázaros vagar à sua sorte. Busca-se uma racionalização do trabalho, a automação, para assim compartilhar menos e ganhar mais. Depois da desgraça da exploração dos pobres, chegou outra desgraça muito pior: o pobre deixou de ser explorável! Por isso se pressente que a pobreza nunca será vencida nos países desenvolvidos. Se antes se esperava que a economia livrasse da necessidade o ser humano, agora nos perguntamos: quem poderá livrar o ser humano da economia? Supõe-se que o dinheiro nos livra de nossas preocupações, mas sem nos dar conta, se transforma em nossa máxima preocupação. Para ter dinheiro temos que pagar um altíssimo preço, que nos torna demasiadamente vulneráveis.

Então temos países da África, da América, da Ásia, convertidos nos espaços de Lázaro, mal visitados, apenas contemplados, não são levados em conta. Onde não há alianças, nem ajuda. Onde a palavra "crescimento econômico" parece ridícula.

O que o dinheiro não pode comprar

O dinheiro só serve para uma parte da vida. Nela se pode desfrutar. Mas chega outra, na qual o dinheiro já não serve de nada. E é, então, quando um pode-se encontrar na maior miséria. Talvez, nem sequer faça falta morrer fisicamente. São outras mortes que acontecem antes da morte final: o dinheiro não compra o amor, não compra a espiritualidade, nem a saúde do corpo… O sistema econômico conseguido com muitíssimo esforço e dedicação pode desmoronar como um castelo de cartas, num instante e a pessoa que confiou no dinheiro, se descobrirá vazia, pavorosamente vazia. O poder econômico, não salva! E isto deve ser dito aos nossos políticos, tão preocupados pelo crescimento econômico, e tão despreocupados pelo crescimento espiritual de nossa gente.

E se isto sucede aqui, nesta vida, de que servirá o dinheiro para a outra vida? O abismo que aqui se abre entre pobres e ricos, se torna muito mais abismal no misterioso futuro que nos espera. Isto significa que o egoísmo não tem futuro. Só o amor permanece.

E como convencer as pessoas disto? Aqui o Mestre Jesus mostra-se muito cauteloso. As pessoas gostam de espetáculos, sobretudo, se são milagrosos. Queima-lhes a curiosidade e o entretenimento. Mas que não lhe falem de conversão, de transformação de vida. Não crêem na ressurreição de Jesus, vão crer na ressurreição de Lázaro? Aí está a Palavra da Sabedoria: a Palavra de Deus que nos acompanha permanentemente. Façamos-lhe caso! O Mestre sempre se remete à Sagrada Escritura, dado que em sua ressurreição não crêem, nem creriam ainda que Lázaro ressuscitasse. Não bastam os milagres para suscitar a fé. A palavra anunciada, a boa e bela notícia proclamada é a que conduz à confiança, à fé.

Há aqui as conseqüências da avareza, da vida e do luxo desenfreado, de quem faz crescer seu patrimônio, a custa dos mais pobres, sem acolher nunca nos necessitados.

Profeta do essencial

Quero concluir minha reflexão, referindo-me a um homem que me recorda Lázaro e que já se encontra no seio de Deus. Refiro-me a Jesus Burgaleta, presbítero, professor de Teologia no Instituto Superior de Pastoral da Universidade Pontifícia de Salamanca, com sede em Madri. Faz poucos dias e ele se foi e deixou seu vazio nas classes que já estavam programadas. Para mim foi Jesus Burgaleta, profeta do essencial. Tinha tudo em absoluta precariedade, menos o essencial. Era como o pobre Lázaro, cheio de chagas, precisado de sangue para viver. Mas era capaz de denunciar esse abismo que nos separa uns dos outros, que nos impede sermos irmãos, de viver em comunhão. Ele era feliz com "o essencial". Tinha a liberdade de quem vive com o único necessário e, por isso, não se submetia a ninguém, não fazia pactos interessados, era livre. Só ante seu Senhor e sua Páscoa se inclinava! Não queria homenagens, nem reconhecimentos, nem se vestia luxuosamente, nem andava de braços dados com os poderosos.

Tenho-me recordado de Lázaro nestes dias. O grande Joaquim Jeremías, exegeta protestante, comentando a parábola do rico epulón dizia que é provável que por trás desta tivesse um relato popular sobre o qual o Senhor elaborou sua parábola: tratava-se da história do rico Bar Mayam e o pobre escriba, temeroso de Deus. Ambos morreram. Ao Bar Mayam fizeram-lhe um grande funeral com todas as autoridades e honras fúnebres. Ao pobre escriba, enterraram-no quase na clandestinidade, sem fazer-lhe a menor homenagem. Perguntavam-se então as pessoas: isto é justo? Que um rico opressor receba tantas honras e o pobre escriba, temeroso de Deus, nenhuma? A resposta estava na ressurreição dos mortos: o pobre escriba entraria no paraíso e ao rico fechar-se-lhe-iam as portas. A homenagem póstuma, seria para recompensar-lhe as poucas obras boas que fez, mas que não lhe bastaram para que se lhe abrissem as portas do céu. Deus é justo! - diria o relato popular.

Jesus Burgaleta recorda-me o pobre escriba, um homem de Deus, que pegou o fogo do Espírito é o transmitia, como poema, como aula acendida, como uma dor prolongada, dor de parto, advento do Nascimento esperado. Jesus Burgaleta não nós aparecerá, mas nos remete à Palavra de Deus, à celebração Eucarística, para que nela encontremos a sabedoria para viver desde o essencial, e no amor para sermos solidários até o fim.




 

Padre José Cristo Rey García Paredes   

 

 

 

 

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