08 de março – segunda
No III Domingo da Quaresma, a Palavra de Deus que nos é proposta afirma, essencialmente, que o nosso Deus está sempre presente ao longo da nossa caminhada pela história e que só Ele nos oferece um horizonte de vida eterna, de realização plena, de felicidade perfeita.
A primeira leitura mostra como Jahwéh acompanhou a caminhada dos hebreus pelo deserto do Sinai e como, nos momentos de crise, respondeu às necessidades do seu Povo. O quadro revela a pedagogia de Deus e dá-nos a chave para entender a lógica de Deus, manifestada em cada passo da história da salvação.
A segunda leitura repete, noutros termos, o ensinamento da primeira: Deus acompanha o seu Povo em marcha pela história; e, apesar do pecado e da infidelidade, insiste em oferecer ao seu Povo - de forma gratuita e incondicional - a salvação.
O Evangelho também não se afasta desta temática… Garante-nos que, através de Jesus, Deus oferece ao homem a felicidade (não a felicidade ilusória, parcial e falível, mas a vida eterna). Quem acolhe o dom de Deus e aceita Jesus como “o salvador do mundo” torna-se um Homem Novo, que vive do Espírito e que caminha ao encontro da vida plena e definitiva.
EVANGELHO (João 4,5-15.19b-26.39a.40-42)
Encontro junto ao poço
No fundo do coração humano guardamos uma profunda esperança que, de quando em quando, se mostra e nos sussurra: “Tudo pode ser diferente”. Negar seria mentir; todos, de alguma maneira, ouvimos essa voz, ainda que, certamente, haja corações duros e resistentes. A eles (suspeitando que todos possam cair na mesma tentação) se dirige hoje o salmo responsorial: “Oxalá escuteis hoje a voz do Senhor. Não endureçais o coração” (Salmo 94).
Se há algo maravilhoso e humano (e divino!) é essa boca ilimitadamente sedenta à que chamamos desejo. Deus deu-nos a força do desejo para possibilitar a Esperança. Essa sede é a que, em definitivo, nos atira e nos leva a procurar a fonte onde saciá-la. “De noite iremos, de noite… que para encontrar a fonte - escrevia o poeta Luis Rosales - …só a sede nos ilumina”.
Os políticos sabem-no bem. Querendo conectar com as fibras mais profundas e sensíveis de nossa desejosa estrutura humana estampam lemas e criam músicas que “pegam” para estimular nossos desejos. Em tempo de eleições, vê-se com clareza. Ante a frustração - mais ou menos grande - à que os humanos nos vemos submetidos pelo desajuste entre nossos ideais e a realidade, os gabinetes de propaganda política procuram acordar e avivar essa voz interior que nos diz: “Sim se pode”, “pode haver algo diferente”, ”podemos mudar”.
Uma sede profunda
Porém não vamos falar de nossa sede material, tão mutável, ou de nossa sede política ou de partido. Há algo mais profundo e mais importante. A Palavra hoje convida-nos a encontrar essa “fonte de Água Viva” capaz de saciar essa sede tão profunda; algo que vai para além do sentimento, e da que - dizem - (dizemos?) depende nossa verdadeira felicidade.
Não nos vale o que outros digam, ou sabem. O evangelho recorda: não nos vale crer de ouvido, nem das palavras de outros. Como aqueles samaritanos que escutaram o depoimento da recém transformada, precisamos o experimentar por nós mesmos.
O diálogo entre Jesus e a Samaritana é a narração do mesmo encontro que se produz entre o Senhor e nós quando, sedentos, nos aproximamos do poço. É a mesma experiência que se renova hoje em nós se nos deixarmos. A não ser nossos preconceitos, não há obstáculos para o encontro. O Senhor acolhe-nos como somos, sem olhar se somos de Samaria ou de Jerusalém. Nada lhe importa para o encontro. Dá o mesmo ser de direita ou de esquerda; ser branco, negro ou amarelo; não lhe importa se és ou não ortodoxo, politicamente correto ou incorreto. Nem sequer assusta-se de nosso pecado. Antes, nos ama como somos, para nos fazer diferente. Ante de nosso amor para ele, ele nos fazer ver o seu. “Em Cristo, morto por nós, - nos diz São Paulo na segunda leitura - deu-nos a grande prova de seu amor”. Nada lhe resiste. Nem as carências nem as dificuldades são obstáculos para que ele realize sua obra. Ele sabe encontrar seu poço (ou o nosso) para se abrir caminhos.
Água Viva transformadora
A experiência crente nasce, pois, deste encontro em profundidade. É um encontro mágico, maravilhoso. Nele se produz o grande milagre do amor. Quem se deixa encontrar por aquele que nos procura desde sempre - inclusive desde antes de procurar a ele - resulta transformado. Sucede-lhe como à samaritana. Sente - ainda que não seja um mero sentimento - que Deus lhe ama e perdoa seu pecado; que lhe aceita como é e que não lhe julga sem mais, senão que lhe estimula; que não lhe apresenta dogmas, senão propostas de vida.
É um encontro que sana o coração e o reorienta em outra direção. A que era presa de convencionalismos, se converte em atrevida evangelizadora. Assim, também nós nos vemos vivificados e purificados por esse maravilhoso e acolhedor encontro. Já não nos falta procurar outros poços. Encontramos a Água Viva, aquele desejo maior que nos faz capazes de relativizar os desejos pequenos. Nossa identidade transformada, como a da samaritana, não pode resistir gritar ao mundo e a nossos irmãos aquelas palavras do autor do Apocalipse: “O Espírito e a Esposa dizem: Vem. E o que ouve, diga: Vem. E o que tenha sede, que venha; e o que queira, que beba grátis da água da vida”.
Fernando Prado Ayuso
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