(Lc 6,1-5)
Os discípulos de Jesus colhiam espigas com a mão, o que, segundo a Lei mosaica, era permitido fazer: "Quando entrares na plantação de teu próximo poderás colher as espigas com a mão, mas não passes a foice na plantação do teu próximo" (Deu 23,26). Porém, essa situação ocorre no sábado e, na visão farisaica, é descrita como "colheita", trabalho proibido nesse dia.
Neste incidente, as provocações são dirigidas aos discípulos, mas Jesus intervem a favor deles, como mestre e defensor. Usa como argumento um fato do Antigo Testamento, quando David e um grupo de seguidores se escondia de Saul e foi a um santuário pedir comida.. Como o único alimento disponível eram pães consagrados da oblação, que só os sacerdotes podiam comer, o sacerdote encarregado permitiu que comessem, pois as restrições da Lei não devem ceder às necessidades dos homens (1Sm 21,2-7). Se a autoridade de David para interpretar a Lei é aceita, muito mais aceita deve ser a autoridade de Jesus, o Filho do Homem, o Senhor do sábado.
Com essas palavras Jesus quer dizer que seus seguidores devem interpretar toda lei judaica segundo o espírito da lei de Deus, a misericórdia. Mas a parte mais importante desse texto é o último versículo, onde Jesus, se coloca como o Filho do Homem, e declara sua autoridade, cessando os comentários dos fariseus que certamente começarão a tramar contra Ele.
Esclarecimento sobre a expressão "Filho do Homem":
(o texto abaixo foi retirado e adaptado do Dicionário Bíblico de JOHN L. McKENZIE, SJ)
- do aramaico "bar nasha", a expressão filho (ou filha) antecedendo um substantivo coletivo indica um membro individual da espécie, o que dá caráter distintivo ao título usado nos evangelhos..
- esse termo tem origem em Dn 7,13s, onde aparece para designar "alguém como um homem" que aparece sobre as nuvens perante o Ancião e recebe o reino. Foi interpretado como se referindo ao redentor da nação israelita.
- no Novo Testamento, o termo é usado 70 vezes nos evangelhos sinóticos e 12 vezes em João. Fora dos evangelhos só aparece nos Atos dos Apóstolos (7,56), quando Estevão fala do Filho do Homem à destra de Deus, sendo esta a única vez que a expressão não sai dos lábios de Jesus.
- nos sinóticos a expressão pode ser classificada em cinco aspéctos:
1. Jesus fala de sua condição humana:
- não tem onde reclinar a cabeça (Mt 8,20; Lc 9,58)
- come e bebe (Mt 11,19; lc 7,34)
2. revelando poderes sobre humanos de Jesus:
- poder de perdoar os pecados (Mt 9,6; Mc 2,10; Lc 5,24)
- senhor do sábado (Mt 12,8; Mc 2,28; Lc 6,5)
3. descrevendo a missão messiânica de Jesus:
- semeador da palavra de Deus (Mt 9,6)
- aquele por quem os discípulos devem sofrer (Lc 6,22; Mt 5,11)
- aquele que procura e salva o que estava perdido (Lc 19,10)
- aquele a quem os homens devem reconhecer (Mt 16,13)
- o pecado dos que falam contra o "Filho do Homem" (Mt 12,32; Lc 12,10)
4. sobre a paixão e morte do Filho do Homem (Mt 12,40; 17,12.22; 20,18; Mc 9,31;10,33; Lc 9,44;11,30;18,31)
Ele veio para servir e dar sua vida por muitos (Mt 20,28;26,2.24.45; Mc 8,31;9,12;10,45;14,21.41; Lc 9,22;22,22.48;24,7)
Estes textos são tão numerosos que se pode concluir que é precisamente como Filho do Homem que Jesus sofre e morre. É sob este aspécto que melhor se compreende a expressão "Filho do Homem".
5. muitas passagens que falam da vinda apocaliptica-escatológica do Filho do Homem, no fim dos tempos:
- vinda gloriosa (Mt 10,23; 13,41; 16,28; Lc 9,26)
- ressurreição (Mt 17,9; 24,27.30.37.39.40)
- anúncio da segunda vinda no processo de Jesus perante Caifás (Mt 26,64; Mc 14,62; Lc 12,8;22,69; 17,22;18,8)
- O Filho do Homem sentado à direita de Deus e recebe o poder de julgar todos os homens (Mt 13,41;16,27;19,28;25,31ss;26,64; Mc 14,62; Lc 22,69)
O próprio título acentua a humanidade de Jesus e sua comunhão com os outros homens. É sua humanidade que o torna capaz de sofrer; portanto é o Filho do Homem que sofre a paixão. Esse título parece exprimir o conceito do Servo sofredor e, nesse sentido, foi escolhido e usado por Jesus.
Maria Cecília
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