Os teus discípulos não jejuam?
Sim, resulta estranha esta imagem que Deus utiliza para falar de si mesmo: compara-se com um Esposo, não com um Celibatário ou um Solteiro. Em que religião se revela Deus como Esposo? As religiões monoteístas o contemplam como "o Único". Também nós contemplamos habitualmente a nosso Deus como um Esposo. Na linguagem mais clássica falamos de nosso Deus "uno e trino", mas quase nunca de nosso Deus-Esposo! Porém, neste domingo, a Igreja privilegia essa imagem e escolheu leituras que dela nos falam.
A noiva e a esposa de Deus não é ainda a "esposa sonhada". Já não tem o encanto da juventude. Passaram os anos e sua trajetória ficou semeada de infidelidades e prostituições com outros amantes. O povo de Israel é "sua Esposa infiel". O Deus-Esposo sente tal paixão por ela que, em lugar de deixar-se levar pelos ciúmes e destruí-la e sentir-se fracassado no amor, faz do amor sua arma mais poderosa e se decide a conquistá-la e seduzi-la de novo. As palavras da primeira leitura são de uma nobreza e de um amor fora do comum: "Eu a levarei ao deserto, lhe falarei ao coração. E me responderá ali como nos dias de sua juventude".
A confiança que Deus tem em sua capacidade de sedução é absoluta: "a levarei... lhe falarei... me responderá". E depois dessa sedução vitoriosa, Deus descreve antecipadamente seu casamento que terá três características: a legitimidade (direito e justiça), o perdão (misericórdia e compaixão) e a fidelidade (para sempre, sem volta atrás). O resultado final será que a Esposa sentirá Deus em seu mais íntimo centro.
É estranha a imagem de um Deus, movido pelo eros, pela paixão amorosa. Esse amor supera qualquer ofensa, por mais dolorosa que pareça. É estranho falar de uma aliança que -nem nos piores momentos- se rompe. Deus não mantém a indissolubilidade de seu Casamento porque se submete a uma lei de indissolubilidade, mais porque ama e não pode deixar de amar a sua Esposa.
Estamos num mundo no qual as alianças freqüentemente se rompem. É difícil contar com um aliado disposto a estar "sempre" com as mãos abertas, oferecendo-nos um "cheque em branco". Todos nós somos vitimas de "alianças quebradas", "não mantidas". Por isso, mostramo-nos compreensivos ante quem não pode mais e se divorcia, separa-se. O único limite que pomos é que na separação não se utilize a violência., que os conflitos se acabem "pacificamente", "sem vencedores nem vencidos".
Ensina-se a "fazer amor", mas onde estão as escolas da fidelidade ao amor, do amor continuado e sempre criativo, do amor que não só é "dom", senão ademais "perdão"? Isso é o que aprendem quem são "discípulos do Deus-Esposo fiel". Ele nos diz que o amor pode até sair do sepulcro e ressuscitar.
Que frágeis são as alianças que estabelecemos, em todos os níveis! E quem está envolvido nelas, mais do que esposos apaixonados e que confiam em sua capacidade de sedução (como Deus, como Oséias), nos parece o aliado, a aliada que por qualquer razão volta sua vista e seu coração a outra parte e rompe seus laços. Não é boa "a dureza de coração". Quem condena, quem sempre têm o insulto à flor da boca, quem possui ressentimentos , em que se parecem ao Deus, estranho Esposo?
O mais surpreendente de todo isto, no entanto, é que Jesus, o Filho de Deus, quando esteve entre nós, apresentou-se também a si mesmo como "O Esposo". Utilizou essa imagem e não outras imagens como "o solteiro", "o celibatário ". Também a Ele lhe interessava aparecer ante os demais como um homem que se define por sua aliança amorosa fiel e sem volta. No evangelho de hoje, na parábola do banquete do Filho do Rei e os convidados, na parábola das 10 virgens, Jesus se identifica com o Esposo. Sua Esposa é "o novo Povo de Deus". Jesus no último Jantar oferece a copa da nova e definitiva Aliança. A Igreja, nova Jerusalém, é a Esposa do Cordeiro.
E se Jesus é o Esposo, também é o permanente Sedutor. Ele fala cada dia ao coração de sua Esposa (liturgia da Palavra). Ele lhe entrega sem reservas em cada Eucaristia seu Corpo e lhe derrama seu sangue. Ele a perdoa "setenta vezes sete". Seu amor é incondicional e obstinadamente fiel... até morrer por ela: "me amou e se entregou por mim" , pode dizer uma e outra vez a Igreja.
Junto ao Esposo estão "os amigos do Esposo". Estes são, antes de qualquer coisa, aqueles que não devem suplantar ao Esposo! A comunidade-esposa não lhes pertence, pertence só ao único Esposo! O amigo do Esposo não tem direitos de esposo sobre a Esposa ("não é digno de desatar a correia da sandália”). João Batista e Paulo foram exemplos de "amigo" do Esposo. Alegravam-se da presença do Esposo, mas nunca o suplantaram! Convém que Ele cresça e eu diminua!, dizia Batista. Sinto por vocês ciúmes de Deus... para entregar-vos a Cristo como virgem pura, santa!, dizia Paulo. A ninguém, senão só a Jesus, temos de reconhecer como Esposo da Igreja. Evitemos, nós, os crentes, qualquer tipo de suplantação: ninguém, ninguém deve substituir ao Único Esposo da Igreja! Temos de ser fiéis a Ele.
Os amigos e amigas do Esposo esperam sua vinda, não jejuam quando o Esposo está com eles e elas, alegram-se. O desejo da comunidade eclesial deve ser o de uma comunidade apaixonada e amada; o de uma comunidade que nunca se sente abandonada, nem desprezada, nem divorciada. As comunidades cristãs têm que recuperar a alegria do "primeiro amor", do "amor de juventude". O Esposo as quer festivas, alegres, desejosas de união... como a Esposa do Cantar dos Cantares.
E a função dos "pastores"? O Esposo único lhes diz: "pastores, os que forem... se por ventura vir àquele que eu mais quero... dizei-lhe que adoeço, peno e morro". O Esposo morre de amor pela Esposa. Seus pastores são seus amigos. Foi-lhes concedido como símbolo levar o anel do Esposo. Não há entre eles "mais e menos". Todos conjuntamente são símbolos viventes do Único Esposo para a Esposa, a Igreja. Nenhum deles quer suplantar ao Esposo. Todos eles querem ser como os precursores, como Paulo, querem transmitir à Esposa o amor permanente e fiel. Função dos pastores é dizer à Esposa, de forma credível, que o Único Esposo a ama, e por ela "adoece, pena e morre" (João da Cruz).
É verdadeiro, no entanto, que algumas estruturas recebidas da tradição, certas normas de protocolo e cerimoniais cortesãos todavia ficam como "odres velhos"; o "vinho novo" que neles se derrama, perde seu sabor genuíno e nos resulta difícil distinguir sua permanente novidade. Os representantes do Esposo, levam um anel que evoca ao Único. Eles mesmos querem ser próximos, humildes, entregues, como o Esposo. Querem perdoar, esquecer, transmitir amor. Não obstante, há que ter cuidado para que essa representação não fique pervertida por cerimoniais e protocolos mundanos, por formas de aparência ostentosas, por estrados ou cercas que separam... porque então em lugar de representar ao Esposo apaixonado pela Esposa, podem estar representando a um senhor feudal de outros tempos.
Que lúcidas são a este respeito as palavras de Jesus! "Ninguém joga vinho novo em odres velhos; porque arrebentam os odres, e se perdem o vinho e os odres; para vinho novo, odres novos" . Ser "amigo e representante" do Único Esposo é um verdadeiro presente que a Esposa-Igreja precisa. O Espírito tem suscitado muitas pessoas que assim o transmitem e o transmitiram. São os vinhos novos, os remendos novos. Atiremos de uma vez os odres velhos, o vestido velho! Fora com as aparências que nos impedem ver ao Esposo que vem! Em todo caso, e apesar de tudo, saibamos a quem entregamos nossa vida e façamos que esta comunidade cristã e católica da qual fazemos parte, seja -em nossa geração!- uma esposa apaixonada, capaz de amar a seu Esposo com o amor romântico de sua juventude .
José Cristo Rey Garcia Paredes
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