Comentários à PRIMEIRA LEITURA (– 16ªsemana
Sábado - 24 de julho - 16ª semana do Tempo Comum
Comentário à 1ª Leitura - Jeremias 7,1-11
Essa casa tornou-se a vossos olhos uma caverna de ladrões?
[Evangelho Deixai crescer um e outro até a colheita! Mateus 13,24-30]
“Palavras mentirosas” acusa Jeremias aos que invocam o Templo mas dele fazem – como dirá o Nazareno séculos mais tarde – um “covil de ladrões” quando expulsar os que profanavam o culto sagrado (conhecidos pela expressão “os vendilhões do templo”... A lista de acusações do profeta é grande: mentira, fraudes, injustiça com os mais fracos da sociedade (o órfão e a viúva), idolatria, roubar, matar, adulterar, cometer perjúrio, andar atrás de outros deuses. Parece que o próprio Senhor se espanta com tanta maldade e, sobretudo, com tanta hipocrisia pois fazem tudo isso ao mesmo tempo que se dizem devotos e adoradores do Senhor.
O evangelho traz a parábola do joio e do trigo. Aqui são os discípulos que se espantam com a maldade no meio do Reino de Deus. Como nós também, os contemporâneos de Jesus tinham como expectativa messiânica, a eliminação dos maus. Nós perguntamos: como é possível existir maldade e, pior ainda, como ela pode prevalecer sobre o bem? Essa, aliás, é apenas parte de uma questão maior até hoje sem resposta satisfatória . Há explicações (intelectuais) que apenas transferem a questão para outro tempo (“carmas” ou vidas passadas) sempre dentro da lógica de uma justiça humana (crimes e castigos). Remetem ou adiam – no tempo – a mesma questão que não é só intelectual. Ela é sobretudo existencial e as explicações não tiram a dor de quem sofre o Mal..Ora, o Deus, apresentado nas Escrituras, não é feito de “crime e castigo” mas é misericórdia e amor. Por isso persiste a questão: como pode existir o mal num mundo criado pelo Deus que é bom?
Essa e as outras parábolas do Reino derrubam a costumeira expectativa religiosa sobre o Messias que vai eliminar os inimigos. Nós também somos um pouco como os discípulos daquele tempo quando fazemos nossas briguinhas entre religiões, quando agimos por preconceito e discriminação, quando olhamos de cima para baixo para os (assim chamados até pela mídia) “bandidos” (por oposição a nós, os “mocinhos” do filme). Quando não chegamos a organizar verdadeiras cruzadas para matar os infiéis... Essa imagem, em tempos recentes (dentro de uma determinada conjuntura geopolítica) vem sendo colada em certos grupos fundamentalistas (em geral islâmicos). Talvez não cheguemos a matar em nome da religião. Mas não somos também um pouco “fundamentalistas” se nos achamos sempre o bom trigo querendo eliminar (nos outros) o joio?
A figura, na parábola, é cizânia ou joio por ser planta semelhante ao trigo, venenosa (se misturada à farinha do trigo), que cresce entrelaçando raízes com as do trigo e que só se diferencia quando amadurecem as espigas pela cor dos grãos. O fazendeiro disse: cuidado: ao arrancar agora, antes de mais um tempo, há risco de arrancar também o trigo. É Deus esse lavrador cheio de sabedoria e de paciência. Porque ele age no interior do coração humano. Nós nunca sabemos quem está mais aberto à conversão. Os que se acham “bons” devem cuidar para não cair na injustiça. É a mensagem de hoje do profeta Jeremias. E é preciso aguardar o tempo e o tempo da colheita.
O problema do mal – sem resposta completa nem das filosofias nem das teologias de qualquer religião – persiste porque nos é difícil suportar a dor, seja a do mal natural (por ex. em desastres da natureza) seja corporal (doenças e carências) seja moral (ira, ofensas, invejas etc) ou social (injustiças, guerras, etc.). A fé apenas aponta para o homem de Nazaré, feito de Carne como todos nós e que “foi feito Pecado” (expressão paulina), acabando condenado – sendo inocente – e assassinado – exatamente por anunciar a Vida como imagem visível do autor da Vida.
Resta-nos escutar Jeremias e permanecer vigilantes evitando que venham semear a cizânia dentro de nos (e no meio de nós) enquanto dormimos. Seria bom também parar de falar, como advertiu o profeta: “templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor” (hoje seria talvez: igreja, igreja, igreja! sacramentos, sacramentos, culto, culto, culto... nós, nós, nós, sempre nós...) A lógica do Reino não é eliminar os maus, mesmo sendo nossa intenção acabar com o Mal. Talvez a compaixão e a solidariedade seja a melhor resposta ao problema do mal, numa construção silenciosa do tempo presente. Até o tempo da colheita. Afinal, bons ou maus, ninguém evitará seu encontro com o infinito e o eterno. Até lá nosso sejamos cuidadosos no agir, como o lavrador com o trigo – sem as palavras mentirosas denunciadas pelo profeta e sem a ansiedade precipitada dos donos da verdade.
( prof.FernandoSM, Rio, fesomor2@gmail.com )
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