Homem de lábios impuros - eu vi com meus olhos o Senhor
[ Evangelho: Não tenhais medo: valeis mais que muitos pardais. Mateus 10,24-33 ]
Isaías em 742 a.C. teve uma visão que inaugura sua missão profética. Na Bíblia há certa ambigüidade a respeito de se poder ver a Deus. Moisés falava com ele “face a face como um homem conversa com seu amigo” (Êxodo 33,11) mas (verso 20) também se diz que Moisés só podia ver “as costas de Deus” para não morrer. É o sentimento de que a Santidade divina era tão distante de nós eu sua visão podia aniquilar a criatura. Os estudiosos das religiões chamam a isso de “o Sagrado”, que atrai e também afasta ao provocar temor. Não sabemos como se deu essa visão de Isaías. De qualquer modo o profeta também estava condicionado às crenças e modelos culturais de seu povo. Na época era considerado possível que – a pessoas escolhidas – o Senhor se mostrava podendo usar a forma que quisesse (chamamos esses encontros de “teofanias”, isto é, o Criador escolhe formas de se comunicar ou de “aparecer” para sua criatura). Isaías descreve sua visão do Senhor na figura de um grande Rei: afinal era para ele a comparação mais próxima pois na sua experiência um rei era a figura mais poderosa e importante que havia no tempo. Mas o central da narrativa aqui é o chamado (a “vocação”) do profeta que tem plena consciência de seu próprio “tamanho” ao exlamar: “Ai de mim que sou apenas um homem de lábios impuros mas eu vi com meus olhos o rei, o Senhor dos exércitos ! “ Por isso entra em cena um dos “serafins” (anjos que estavam mais perto do trono divino dentro da mesma imagem do Rei com sua corte de ministros, assessores e empregados palacianos). Esse ser fabuloso e poderoso traz uma brasa e toca, purificando, os lábios do profeta. Assim, o tema mais importante não é a visão em si mas o fato de ter Isaías recebido uma missão para a qual teve as condições dadas pelo próprio Deus: “Ouvi a voz do Senhor: Quem enviarei? Quem irá por nós? Eu respondi: Aqui estou! Envia-me.” No evangelho de hoje talvez encontremos a chave desse mistério. Todo homem que acredita em Deus sabe-se pobre e indigno diante do Santo (transcendente, infinito, criador do homem). Só que, na perspectiva cristã o Santo fez-se homem, “fez-se Carne” como escreve João. Nós talvez não tenhamos tanto “temor”, medo ou respeito pela santidade divina – como os judeus que nem ousam pronunciar o nome com que o Senhor se apresentou a Moisés. Mas “Ele”, ao contrário, aproximou-se de nós a ponto de nos dar um grande valor dizendo: “Não tenhais medo: valeis muito mais que muitos pardais”. O Mestre de Nazaré não fala aos discípulos sobre a distância, como a narrativa autobiográfica de Isaías, mas de proximidade. (ao orar dizei: pai nosso...) Talvez nosso maior problema não seja“praticar a religião” (há muitas e também há muitos fiéis em todas elas). As pessoas já não temem dirigir-se ao Senhor do céu e da terra (até negociam com Ele e lhe pagam ofertas e promessas). Nosso maior problema talvez seja como nos dirigir aos semelhantes, aos colegas humanos... Porque (ver evangelho de hoje) ao dar testemunho da fé, seja por palavras, seja pelo comportamento em sociedade, os discípulos podem ser ameaçados como aconteceu com seu Mestre. Na sua conversa pessoal com o Pai, que cada qual possa receber sua própria “visão” conforme a gratuidade divina. Mas o que não se pode esquecer é que somos, a seus olhos, mais valiosos do que muitos pardais.
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