Não falemos somente do Filho pródigo. Falemos também do filho maior. O filho pródigo representa todos os aventureiros da fé, que se abandonam na curiosidade e no desejo de liberdade. Devemos ver como olham aqueles a quem o irmão maior representa! O irmão maior está muito presente também na Igreja. Querem seguir com as tradições, mantém uma identidade que não quer se contaminar; é reivindicativo, quer obter os favores do cumprimento da lei. Não desfruta do Pai em cuja presença crê viver. Ocupa-se demasiado, demasiadamente de outras coisas. Não vive em Aliança, por mais próximo que se encontre. Não tem o que no Pai sobra: misericórdia. O que passa hoje na Igreja é questão de irmãos. Enquanto, ao Abbá-Pai-Mãe não deixamos ser pai-mãe de todos, nossa divisão e o não reconhecimento mútuo, mata pouco a pouco sua paternidade... Amor ferido A primeira leitura, tomada do livro do Êxodo apresenta-nos a dramática situação do nosso Deus ante a infidelidade de seu Povo à aliança que ambos tinham pactuado. O povo perdeu o encantamento por seu Deus e fez um pequeníssimo, insignificante e ridículo deus à sua conveniência. Seguiu o exemplo dos povos vizinhos e… adorou sua construção religiosa. Ante tal infidelidade e ante o rival tão ridículo com que Israel quer confrontar a Deus, Deus reage: "Deixa-me - diz Deus a Moisés- que acenda minha ira contra eles e os aniquile". Deus fala a Moisés como amigo e lhe expressa até onde chega seu desencanto e decepção, à reação de seu amor não correspondido e ferido. Moisés, como amigo, lhe serena e lhe recorda seu amor primeiro: "Lembra-te de Abraão, de Isaac, de Jacob... a quem jurastes por ti mesmo.... amor eterno". Deus volta a si e se retrata e renova seu amor Quando nos é dito no Antigo Testamento que Deus sente ira, se volta zeloso, chega até o mais profundo de seu ser a infidelidade de seu povo se interpreta que é "uma forma de falar". As noções sobre Deus que nos oferecem as religiões ou as teorias teológicas costumam fazer dele um ser imutável, alheio às nossas vicissitudes afetivas. Diz-se que Deus não deseja e está protegido de qualquer aventura afetiva. De ser assim a realidade divina. Como entender o mais central de nossa revelação que proclama “Deus é amor”? Para além de toda filosofia, a verdade é que Deus tem se revelado como o Ser que nos tem presentes, como o Ser primeiro que faz aliança de amor conosco. Como aquele que, em seu infinito amor, espera de nossa liberdade correspondência. Assim é o nosso Deus apaixonado. Não devemos privar seu amor do arrebatamento e até da loucura. Se no domingo passado dizia-nos a Palavra de Deus: quem pode entender a mente do Senhor? Neste domingo diz-nos: quem pode compreender o amor apaixonado de Deus por seu povo, por cada um de nós? A misericórdia é grande Os primeiros cristãos recordam a história de Paulo: era um homem blasfemo, violento, ignorante, perseguidor da Igreja de Jesus. No entanto, ele foi escolhido por Jesus para o serviço divino (não a liturgia cultual, mais a missão apostólica!). Foi escolhido sem merecimento. Por pura misericórdia. Quando não tinha nenhuma fé no Deus de Jesus. Com a escolha foi-lhe concedida a fortaleza, a confiança de Deus, foi inundado de fé e de amor. Essa experiência pessoal levou Paulo a ser o pregador do Evangelho da Graça. Seu conteúdo é fantástico: Jesus veio ao mundo para salvar aos pecadores e não para condená-los. Jesus é misericordioso, generoso, dá vida, vida eterna. Assim é Deus! Sua misericórdia é grande e fiel até ao extremo! O amor do Pai-Mãe Nenhum texto do Evangelho, provavelmente, chamou tanto a atenção como a parábola do Filho pródigo. O sucesso desta parábola aprofunda - a meu modo de ver - na necessidade que tem o ser humano de misericórdia. Parece que levamos no sangue a transgressão, o desejo de romper moldes, esquemas, de ir "ao nosso modo". Mesmo sabendo que isso tem seus riscos, mas a curiosidade é mais poderosa. A juventude é o tempo dessa curiosidade perigosa... Depois entramos dentro de nós, repensamos e voltamos para casa. É a experiência do filho menor da parábola. No entanto, também há pessoas que não querem correr riscos. Que desde o princípio ficam em casa e vivem na mais absoluta normalidade. No fundo desejariam ter suas aventuras, deixar-se levar pela curiosidade... Mas temem e permanecem sempre no âmbito do legal, do estabelecido. E quando chega o momento de julgar a conduta do outro, não têm misericórdia. No meio está a figura do Pai-Mãe. É o entendimento, é o âmbito da Liberdade mais que da Lei, é a Esperança nas capacidades do ser humano, ainda que nas situações mais perdidas. Mais ainda, a figura do Pai fica muito iluminada quando se interpreta à luz do pastor que perde uma ovelha e abandona as noventa e nove para procurar-la ou à luz da dona de casa, que perde uma dracma e, esquecida das outras nove, se dedica a varrer a casa e a procurar a única dracma perdida. As exageradas atuações do pastor e da dona de casa indicam que para eles a ovelha ou a dracma perdida não só tinham um valor pecuniário, mais autenticamente afetivo. Assim é o Pai da Parábola. Sente profundo afeto e amor pelo Filho. E como ama, o espera. O Pai sabe que, ao voltar, o filho já será diferente. E pode revesti-lo e trata-lo como um príncipe. Muitas leituras admite esta parábola. Cada comunidade cristã tem de deixar-se levar pelo Espírito que inspira a palavra oportuna. A mim me ocorre pensar nessa divisão que se mantém na igreja e que estaria representada pelos progressistas e pelos mais conservadores. Os extremos tocam-se: o que passa é que o maior crê que sempre tem razão, que tem a lei a seu lado. Pede privilégios e nega qualquer misericórdia gratuita ao irmão menor. Recordei, por exemplo, como ao irmão maior foi concedido o "cabrito" da missa de costas para o povo - que a partir de anteontem se pode celebrar de novo -. Vai fazer esta concessão para que o filho maior entre no banquete? Acho que esta parábola julga-nos a todos, mas, sobretudo, a quem acredita serem melhor que o próprio Deus. Ninguém está tão perdido, como aquele que crê que todos os demais estão perdidos. Há espaços nos quais só se critica os demais; são os espaços do irmão maior; crê-se na verdade, no legal. Que pena dos cegos que crêem ver, dos surdos que crêem ouvir! A fidelidade não consiste em repetir sempre o mesmo, mais em saber recriar a própria vida ante a novidade que o Espírito nos concede. O filho maior ficou paralisado quando viu seu irmão em casa. Sentiu-se enormemente afastado do Pai. O costume não é fidelidade. Fidelidade é o amor capaz da novidade permanente, pois lhe sai do coração. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário